28 de dezembro de 2013

Sobre Carecas e Golpistas




Uma bela mulher loira se aproximava do altar, estava em seu vestido branco, movendo-se como se flutuasse em direção ao noivo que vestia um terno preto e tinha os cabelos penteados para trás, mostrando que a calvície não seria um problema quando chegasse a velhice. A igreja possuía grandes vitrais que permitiam a luz passar, tornando o ambiente bem iluminado para as fileiras de testemunhas que acompanhavam a cerimônia sentados nos bancos. A noiva atinge o altar e dá as mãos ao homem com um grande sorriso no rosto, revelando seus dentes brancos após tantas pastilhas de branqueamento nos meses anteriores. Eles se conheciam há pouco mais de um ano, mas sabiam que era amor.

Ainda deslumbrada, virou-se para o padre poder dizer suas palavras, ele começou então:

– Estamos aqui reunidos para celebrar a união de Julia Mancuso e Jonnhy Bravo – uma risada distante foi ouvida
– Gostei do nome, muito criativo – um homem careca estava atravessando a igreja pelo centro – Quantas mulheres você ainda vai enganar?
– Quem é você? – falou Bravo
– Fred Flintstone, desgraçado – tirou da jaqueta uma pistola que apontou para o noivo que corria em disparada para as salas anteriores do lugar

O careca correu atrás dele enquanto ecoava pela igreja interjeições de surpresa e revolta. A noiva estava estática com a situação e o padre reclamava que isso só acontecia quando ele presidia as cerimonias. Bravo abriu uma porta e disparou pelos corredores de pedra, virando a direita na primeira passagem que viu, o outro o seguia de perto, o vendo sumir quando virava em algum lugar, até que o viu entrar por uma porta já que o corredor havia acabado. Parou em frente a porta e tirou a trava de segurança da arma, o lugar era um quarto e estava vazio pelo que parecia de fora, até que saíram um padre e um coroinha correndo.

– Bravo, ponha a cabeça de fora
– Se me quiser, vai ter que vir me pegar – gritou de dentro do quarto
– Assisti filmes pornôs o suficiente para saber como isso terminaria, saia daí, você não tem mais para onde fugir.
– Quem é você? – disse a noiva com seu pai ao lado – O que quer com meu marido?
– Dona, seu ainda-não-marido é um golpista, você sabe a história
– Isso é mentira! – disse a mulher

De repente, Bravo saiu do quarto escuro e se joga em cima do careca, agarrando a mão que carregava a arma e o fazendo disparar. No chão, os dois olham na direção do tiro, o pai jazia caído, Bravo aproveitou para bater a cabeça do careca no chão, dando tempo de correr, saltar o ex-sogro e desaparecer. Julia, ajoelhou-se ao lado do pai e segurou sua mão, lhe prometendo:
– Eu vou pega-lo papai, eu prometo.
– Eu te avisei que ele era um puto, isso que dá não me ouvir e eu que acabei pagando o pato.
– Desculpe papai – uma lagrima escorreu em seu belo rosto
– Você vai chamar uma ambulância ou vai ficar aí choramingando?

O tiro tinha o atingido apenas no ombro e uma ambulância foi chamada para leva-lo ao hospital. A mãe da noiva declarou o casamento e a festa como cancelados, muitos acharam um desperdício de dinheiro e comida cancelar a festa, mas ninguém disse nada. Julia ficou no primeiro banco com suas duas amigas a amparando enquanto ela chorava. O homem careca colocou-se na frente dela enquanto ele acendia um cachimbo escuro e curvo.
– Julia, não é?
– Seu nome é Flintstone, certo? – levantou o rosto Julia, com o olhos vermelhos
– Meu nome é Clovis – deu uma baforada para cima – Sou caçador de recompensas. Preciso que me dê qualquer número de telefone ou casa que ele possa estar.
– Não acha melhor deixar isso para depois? – disse a amiga ruiva
– Está tudo bem – secou algumas lágrimas com a manga – Eu também quero pegar esse desgraçado.

Os dois trocaram telefones, Julia disse que Johnny poderia estar na casa em que ele a tinha levado nos primeiros encontros. Foram até o lugar e vasculharam a casa, transaram na cama e em outro universo teriam descoberto o verdadeiro amor, mas não foi o que aconteceu.

– Desculpe garota – disse Clovis – eu não pretendia que as coisas acontecessem assim, mas nenhum homem recusaria uma…
– Mas que merda, o que vocês estão fazendo na minha cama? – gritou Bravo com as mãos no ar
– Eu sei o que parece Johnny – começou Julia – Mas te garanto que não é isso.
– Eu sempre achei que eu era um mestre da sedução – disse Bravo, bravo – e agora descubro que você é apenas uma vagabunda.
– Calhorda! Eu não sou nada disso! Você não vai me defender Clovis?
– Vocês estão malucos, nos dois só transamos e você é um fugitivo, que tipo de idiota volta para sua própria casa?
– Olha, eu não sou nenhum idiota!

Clovis pulou da cama e correu para cima de Bravo, que começou a correr de novo, dessa vez, saindo pela janela usando a escada de incêndio convenientemente colocada. Subiram todos os andares até chegar no terraço, com todas as velhinhas olhando para as janelas, tirando fotos e fazendo vídeos do homem nu correndo atrás do namorado, era o que dizia no youtube, minutos depois. Bravo procurou abrir a porta que levava ao terraço, mas a descobriu trancada, depois correu de um lado para o outro, procurando outro telhado para pular, mas estava tudo muito distante. Clovis apenas observava enquanto se aproximava calmamente dele, sentindo o cimento quente sob seus pés.

– Fim da linha, daqui você só foge voando, Johnny, se esse fosse seu verdadeiro nome.

– Pelo menos não sou eu que estou pelado no topo de um prédio – disse enquanto sentava no parapeito do terraço, parecendo assustado.

– Ossos do ofício, agora tire o paletó, vou te amarrar com ele já que esqueci as algemas nas minhas calças.
– Eu sei que eu não vou conseguir lutar com você e nem sobreviver na prisão, então só me resta uma coisa – olhou para baixo, vendo os carros pequenos e ouvindo os sons distantes – Eu vou pular!
– Pule, minha recompensa não dizia nada sobre você estar vivo.
– Não dizia? Bem, nesse caso eu vou me afastar desse parapeito – deu um passo para frente – Olha, podemos fazer um trato, eu e você. Eu te pago o dinheiro da recompensa e você me deixa ir embora.
– Bom, já que você é um golpista, tudo bem – disse Clovis com sarcasmo – Vamos logo, não posso passar o dia inteiro aqui com você.

Bravo começou a tirar seu paletó, cabisbaixo, olhou de relance para Clovis e o estendeu na sua frente. Com sua careca reluzindo ao sol, Clovis se aproximou e levantou uma mão para pegar o casaco quando Bravo o jogou em seu rosto e começou a correr, ágil como já não era, Clovis se projetou para frente e agarrou o outro, o abraçando com o paletó, que por sua vez tropeçou para trás e gritou, Clovis vislumbrou a rua e seus carros, já não tinha os pés no chão e tudo que pode dizer foi “merda”. Os dois caíram 12 andares e se estatelaram na calçada, assustando diversos transeuntes que por ali passaram.

Julia se perguntava o que tinha acontecido com os dois enquanto passava pela rua cheia de pessoas se aglomerando para ver algo. Se achava muito superior por não querer ver o problema dos outros, já que ela tinha seus próprios problemas para resolver, pegou um táxi e foi embora dali. Descobriria o que tinha acontecido com os dois no noticiário da noite, com uma parte da família no hospital, ao lado do pai. A matéria dizia que um casal gay vivia um dilema, um não queria se assumir e estava para se casar com uma mulher e o outro queria que ele se assumisse e não casasse com ela. “Tudo terminara na tarde dessa sexta-feira quando o casal foi encontrado morto, na calçada desse prédio. Acredita-se que eles caíram de uma altura de 12 andares, mas apesar de tudo, terminaram abraçados, dizendo adeus a toda sociedade que os marginalizava”.

– Quer dizer que eu estava impedindo o amor dos dois? – disse Julia, pronta para chorar novamente
– Minha filha, se eu aprendi algo em anos de jornalismo – começou seu pai – É que a globo nunca mentiria para nós.