11 de maio de 2012

Um Anônimo 9 - Final



– O que está fazendo, Kai?
– Meditando – disse o Anônimo de olhos fechados – Você não acha esse cheiro repugnante?
– Acho, mas tudo bem. – falou Hasnah fechando a porta da cela atrás de si – Chegaram os últimos dois reis, de Nove-Delfine e de Damascus. O Conselho das Terras Secas vai se reunir provavelmente amanhã.
– Isso é ótimo – sorriu ainda de olhos fechados – Quer aprender a meditar?
– Claro! – sentou-se à frente dele, imitando sua posição – Devo fechar os olhos?
– Feche os olhos, vou te dizer o que fazer. Respire fundo e deixe o caos se instaurar na sua mente, deixe os pensamentos fluírem como quiserem, até os ruins.
– Acho que consegui, não é muito confortável.
– Agora observe esses pensamentos como se estivesse olhando peixes em um lago, os deixe nadar enquanto você se afasta e emerge desse lago. Você não pode mais senti-los, mas ainda pode vê-los. Pense na qualidade desses pensamentos, quais deles estão apenas poluindo sua mente? Quais deles não lhe servem para nada de bom?
– Alguns...
– Agora, elimine os pensamentos inúteis e concentre-se apenas nos úteis e bons, sinta o controle da sua mente, seu domínio absoluto sobre você mesma, senhora de seu destino.
– Isso é bom e agora? – ouviu um abrir e fechar de uma porta de ferro e virou para trás
– Agora, fique meditando até virem te buscar – falou o anônimo do lado de fora, trancando a cela – Sinto muito, mas a hora chegou. Se servir de consolo, prometo que não passará nem um dia aqui.
– Eu devia ter imaginado – levantou-se e foi até a grade da cela – Não vou guardar rancor de você, Kai, mas ficar presa numa cela não fazia parte dos meus planos para hoje.
– Obrigado por estar aqui. Se eu nunca voltar a te ver, quero que saiba que isso poderia ter dado certo em outra vida.

Foi embora sem ouvir qualquer resposta de Hasnah, que apenas sorriu enquanto Kai mergulhava nas trevas. Subiu as escadas em caracol das masmorras, chegando na sua porta de madeira que estava destrancada, abriu-a com cuidado, mas ela não deixou de produzir um rangido agudo. Como imaginava, tinham dois homens guardando a porta, um de cada lado, que pareciam não ter se importado com o rangido. Hasnah atravessou aquela porta tantas vezes que eles nem se davam mais o trabalho de se virar. O homem da direita foi o que perdeu a espada primeiro, em um movimento rápido, mas sutil, Kai tirou a espada de sua bainha e virada para baixo, a enterrou em seu desprotegido pescoço.

O outro notou o estranho movimento, mas só se deu conta e começou a puxar sua espada quando o colega teve a lâmina atravessada na garganta, o que deu tempo para o Anônimo impedir seu saque com uma mão e usar a espada, ainda como um punhal, e abrir sua carótida da direita para esquerda, aproveitando o movimento lateral para puxar a espada do guardião de sua bainha e dar um passo para trás, o bastante para a nova espada ter espaço o bastante para terminar de degolar o guardião, da esquerda para direita dessa vez, caindo no chão em uma torrente de sangue. Hakim estava de volta.

Tirou a armadura do primeiro homem, usando sua camisa para limpar um pouco do sangue que grudara nela, terminando por vesti-la. As armaduras eram feitas sob medida, mas aquela estava um pouco larga. Jogou os corpos dos homens nos degraus que levavam à masmorra e usou suas calças e o que estava limpo da camisa para enxugar o sangue do chão, não foi um trabalho perfeito, mas não chamaria atenção de alguém que passasse ao longe, descartando tudo na masmorra e fechando sua porta. Hasnah não gostaria disso, mas nem ele gostava. Recordou-se novamente da geografia do lugar e elaborou uma fuga.

Já era noite e os quatro reis se reuniam no salão de festas do castelo. O rei padeiro Ezaquiel, ficava na ponta da mesa retangular, com sua esposa ao lado. Os outros reis ficavam distribuídos cada um de um lado com suas respectivas esposas. Seus filhos comiam em uma outra mesa retangular, mais distante e menor que a primeira que ocupava o centro do salão, enquanto essa era atravessada em um canto, paralela a uma parede. Comeram ali por cerca de uma hora, uma refeição com direito a terceiro prato e uma sobremesa. Ao final, as mulheres e crianças foram deixadas e os homens se reuniram em um salão ao lado, muito menor e mais aconchegante, com uma grande lareira e quatro cadeiras de couro dispostas em círculo, para todos poderem encarar todos, com uma mesa ao centro delas.

Os reis sentaram-se naquelas cadeiras e fumaram charutos, tomando mais daquela bebida forte de sabor amadeirado, conversando sobre como suas políticas fizeram a economia de suas cidades se estabilizar e prosperar. O rei da Mesôtona, Alifa, tinha escolhido uma roupa vermelha dessa vez, mas ainda usava maquiagem branca para disfarçar sua pele morena, dissertava sobre como o povo não pode ser livre ou ele acaba por destruir-se. O rei de Nove-Delfine, Abrah concordava com o controle das massas, mas garantia o controle do indivíduo sobre si mesmo, sempre procurando alisar seu espesso bigode entre uma frase ou outra. Possuía uma pele levemente morena com um ponto preto pintado na testa esticada pela calvície. Sandor, ficava quieto, concordava com alguma coisa quando falavam de liberdade individual, mas na maior parte do tempo, não participava. Era o mais velho de todos, apesar de ainda possuir certa vitalidade em sua face severa, permeada em boa parte por uma barba negra bem aparada e um cabelo curto encaracolado.

– Amigos, obrigado pela bela noite – começou Ezaquiel – mas acho que devemos encerrar por hoje. Amanhã faremos o julgamento do assassinos de reis, pela tarde para aliviar a eventual ressaca, por isso precisamos estar afiados.
– Condenemos o homem logo, ele é um risco – disse Alifa – Aliás, é garantido que foi apenas ele que cometeu os assassinatos? Acho difícil de acreditar.
– Se foi apenas ele que os matou, – comentou Abrah – acho que deveríamos agradecê-lo, do contrário, nunca seriamos reis e ainda estaríamos na miséria.
– Mas um homem deve pagar pelos seus crimes – retrucou Ezaquiel
– Sem contar na nossa própria segurança – falou Alifa, receoso – Ele matou muito mais do que aqueles reis, deve pagar o preço da morte.
– Quem dá uma sentença dessas, deveria brandir a espada

Todos se viraram para a origem da voz, era o Anônimo se servindo da bebida e trajando suas costumeiras roupas brancas, armado de suas facas. Ele pegou a bebida e foi ficar a frente da lareira, se virando para os reis, entre o vão das cadeiras onde estavam os reis da Nicosa e da Mesôtona.

– Surpresos? Eu gosto do elemento surpresa, foi assim que nosso rei me capturou, no meu próprio leito – tomou um gole da bebida – Essa é diferente da que eu tomei naquela ocasião, Ezaquiel, tem um gosto mais esfumaçado.
– Devia ter imaginado que você sairia de lá. Aquela garota não era confiável.
– Nesse caso, os dois guardiões que eu matei também não eram, nem tentaram me impedir depois que eu os cortei a garganta. – virou o copo e o repousou na mesa – Mas estou dando uma má impressão. Meu nome é Hakim, assassino de reis, treinado pela Irmandade, a grande sociedade de assassinos.
– Você matou a todos sozinho? – perguntou Alifa de olhos arregalados – Você veio nos matar?
– Eu os matei sozinho, como contei ao rei Ezaquiel, mas não vim matar vocês, vim garantir a queda da Irmandade com vossas senhorias.
– Na verdade eu gostaria de te agradecer e agradecer a sua Irmandade, sem vocês, eu não estaria aqui – riu-se Abrah, entorpecido.
– Eu entendo – falou Ezaquiel – Mas você ainda é culpado dos assassinatos e tem que pagar por isso perante a lei.
– A lei é falha, Ezaquiel. Os senhores precisam criar novas leis para suas cidades. Morte não pode ser paga com morte. Do contrário, uma sociedade não se pode dizer melhor que o assassino. – os reis repousaram sobre aquele conceito por alguns instantes – Levantem-se para glória, meus reis, serão famosos por abraçarem essa idéia, os reis misericordiosos, os reis justos, todos pagam pelos seus crimes em vida, a verdadeira justiça dos homens.
– Vejo que teve muito tempo para pensar, senhor Hakim – comentou, finalmente, Sandor – Gostei da ideia, embora lhe favoreça bastante, é algo que eu posso dizer que concordo. Justiça dos homens feita pelos homens.
– Não deveríamos discutir isso com um assassino – protestou Alifa
– Mas aqui estamos Alifa, o assassino propõe vida a todos os homens, inclusive ele – comentou Ezaquiel – Deseja a vida para seus irmãos da Irmandade?
– Para eles e para todas as pessoas, mas o importante é que não sejam criados mais assassinos pela Irmandade. Nenhum homem tem o direito de matar o outro e eles vêm fazendo isso há décadas.
– Não é exatamente o que você vem fazendo sua vida inteira? – disse Alifa
– Eu fiz o que era necessário, o que eu achava certo, mas descobri estar errado. E se não acabarmos com a Irmandade, muitos garotos vão crescer para um destino de assassinatos sem sentido e isso também põe vocês em risco.
– Acabaremos com a Irmandade – disse Sandor – Não podemos ter um bando de assassinos de aluguel à solta. Acredito que podemos todos concordar com isso, meus amigos.
– Eu posso concordar com isso – proferiu Ezaquiel
– Eu também – soluçou Abrah
– Vocês estão loucos – interferiu Alifa – Eles são assassinos profissionais, se um deles conseguiu matar 10 reis, o que acham que farão conosco unidos?
– Por isso eles têm que ser detidos – retrucou Sandor – Às vezes, meu caro, a melhor defesa é o ataque. Você tem um plano, senhor Hakim?
– Eu tenho algo em mente. Mas antes de irmos em frente com isso, preciso negociar minha sentença.
– Isso é um pequeno detalhe, senhor Hakim. – continuou Sandor – Tendo em vista que você trouxe um conceito interessante sobre nossas leis, o que mostra que é um bom homem e que expôs uma ameaça muito mais assustadora do que você próprio, que agora não representa perigo, estou disposto a lhe conceder liberdade se eliminar essa ameaça. Mas não posso falar pelos outros.
– Por mim tudo bem, o rapaz sabe mais dessa sociedade do que nós e talvez devêssemos rever nossas leis, – disse Abrah – mas uma coisa de cada vez.
– Quem garante que essa ameaça exista? – indagou Alifa
– Garanto que a Irmandade é real, existem provas – afirmou Ezaquiel – Eu não esperava a introdução de Hakim em nossos planos, mas tendo em vista o difícil jogo que temos em mãos, posso trocar sua vida pela extinção da Irmandade. Não posso garantir que mudarei as leis, isso precisa ser pensado melhor.
– Eu lhe concedo perdão, com a condição de eliminar a dita Irmandade e garantir minha vida, assassino – concluiu Alifa
– Isso ocorreu muito melhor do que eu imaginava, senhores – sorriu Hakim – Precisarei da influência de vocês e alguns homens. Garanto que o mínimo de sangue seja derramado. Após esse trabalho, não precisarão se preocupar comigo.
– Mandaremos os Hamadim para lhe auxiliar – completou Sandor
– Quem são os Hamadim? – perguntou Hakim
– O grupo que formamos para te capturar – disse Abrah – Você deu uma boa talhada na perna de Jokal, era meu homem, mas tenho certeza que podem chegar num acordo.
– Quantos homens possuem os Hamadim?
– Quatro homens, os melhores guerreiros de cada cidade – falou Ezaquiel, enchendo o copo do Anônimo na mesa – Somados a você, será um grupo invencível. Destrua essa ameaça invisível e terá sua liberdade, todos concordam?
– Sim – proferiram todos em uníssono, brindando em seguida pela resolução desse complicado empasse.

Um homem trouxe um problema e sua solução, os novos reis das terras secas não precisam se preocupar em serem assassinados no futuro, destruiriam seus inimigos antes deles se levantarem contra eles. O homem sai livre, com a condição de destruir sua antiga Irmandade, a garota sai da masmorra e segue sua vida como se nada tivesse acontecido, mas algo de extraordinário tinha acontecido, ela tinha mudado, tinha conhecido o homem mais interessante que já vira, cheio de cicatrizes e ideias, que continua a vagar pelo deserto e pelo mundo atrás de seus ideais, mas ele também tinha mudado, virara um homem, com consciência e não mais uma simples ferramenta.

Uma parte da vida do Anônimo concluiu-se essa noite, mas a guerra estava apenas começando.

4 de maio de 2012

Um Anônimo 8


Estava claro, tinha conseguido dormir mas o Anônimo ainda pensava na garota. Mesmo com a escuridão, começou a lembrar-se de suas características, devia ter seus 20 anos, ainda não tinha as marcas de expressão da vida e nem as mãos calejadas do trabalho pesado, muito menos o bom senso de não suturar um assassino. Pensou em como as coisas poderiam ter sido diferentes se nunca tivesse concordado em fazer parte da Irmandade, talvez viveria como um camponês, colhendo trigo e criando animais, uma vida tranquila com uma garota como ela que em seus pensamentos era ela, com seus cabelos e olhos negros e pele macia e pálida, como de uma princesa.

Um estalo lhe veio a mente, e se a garota fosse filha do rei? Enviada apenas para recolher informações que seriam usadas contra ele no dito conselho? Era uma possibilidade que ele não poderia riscar, todos eram seus inimigos agora, agora que estava “preso em uma gaiola” ouviu essas palavras atrás de si, se virou para encontrar um homem de roupas brancas e capuz do lado de fora da cela.

– ...você já teve dias melhores, Hakim – disse o homem com o rosto encoberto pelas sombras – Vim te libertar.
– E me matar, decerto, Yaman – disse, levantando da palha – Como souberam do meu paradeiro?
– Somos a Irmandade, sabemos tudo. É claro que a notícia que tinham capturado o assassino de reis, também se espalhou rápido pelas cidades, mas nos sempre sabemos.
– Bom, hora de abrir a cela e me matar. Você vai me fazer um favor na verdade.
– Eu vim te libertar dos seus deveres com a Irmandade – falou mostrando um papel por trás da porta – Você é o primeiro que foi permitido deixar a Irmandade.
– Desgraçados, não tem a capacidade de me matar e para garantir que eu não escape me concedem um perdão para eu não sujar o nome da sociedade – disse de forma a assustar o outro – Me dê esse papel aqui, eu vou mostrar quem é a verdadeira Irmandade
– Não posso permitir – deu um passo para trás – Meu dever é avisar que está livre. Se no seu julgamento disser que faz parte da Irmandade, negaremos, afirmando que você saiu há muito tempo.
– Melhor ir então, podem querer que você me faça companhia e eu não apreciaria você ocupando o mesmo lugar que eu mijo.
– Hakim, tenho que dizer que foi uma honra tê-lo conhecido e apoio o que você fez. Adeus – disse com a cabeça baixa e depois partiu pelas sombras

Voltou a se sentar, com cuidado para não romper os pontos. Não estava nenhum pouco livre, isso era apenas um jogo político para proteger a sociedade de assassinos, se por acaso ele saísse vivo, eles viriam lhe matar e encerrar o assunto, mas contavam com sua sentença de morte no julgamento.

A garota voltou naquele dia, trouxe comida e bandagens novas, a comida era uma pasta de legumes e carne fria, pouco atraente, mas que Kai comeu sem reclamar, enquanto a garota trocava as bandagens que estavam sobre os pontos.

– Você parece mais calado hoje – disse ela, percebendo a frieza de seu temperamento
– Diga a seu rei que procure a Irmandade ao qual eu pertenço, se já não tiver contado. Eles podem estar interessados nos mandantes dos assassinatos. Diga que é uma conspiração contra mim e que a sociedade é completamente responsável e eu sou seu bode expiatório.
– Isso é tudo verdade? – disse com um tom de surpresa
– O rei vai te questionar, mas diga-lhe que está é a verdade. A Irmandade precisa ser trazida a julgamento.
– Um dos reis novos chegou, o rei de Mesôtona, ele estava todo pomposo com roupas azuis, amarelas e a cara branca de maquiagem, parecia uma arara, você já viu um arara?
– O que é isso? – deixou escapar uma pitada de bom-humor e curiosidade
– É um pássaro azul com um bico curvo, bem exótico por aqui. Eu vi alguns nos mercadores de rua, são bem bonitos, mas caros.

O Anônimo não falou mais, queria conservar uma distância daquela mulher e não funcionaria se ele ficasse perguntando sobre pássaros. Ela se despediu e disse que voltaria no dia seguinte, com um olhar decepcionado e um meio sorriso no rosto. Pensou que ela não poderia ser uma princesa, ela tinha saído do castelo, mas do jeito que o rei era um homem tranquilo, provavelmente deixaria sua filha livre para ir e vir. Já não sabia o que pensar, sabia apenas que estava suprimindo suas emoções, fechou os olhos e meditou sobre si mesmo, ao invés do mundo exterior.

Se considerava uma ferramenta, uma força implacável, mas agora era um homem ferido em uma masmorra de castelo, sentindo amor por uma mulher que apenas lhe auxilia e ódio por uma sociedade que o quer ver morto. Ele tinha um objetivo e o conquistou, como um homem e agora deveria pagar pelo que fez, como um homem perante outros homens. Acreditava que o rei padeiro, Ezaquiel, era um homem justo e se para ele sua morte era a única resposta ao assassinato, que assim fosse.

Mas seu instinto de lutar e viver ainda falava mais forte, não poderia se entregar a morte, mesmo que sua consciência o dissesse que deveria pagar pelo que tinha feito. De qualquer maneira, a Irmandade precisava cair, eles também deveriam ser julgados e se morresse, precisava garantir que o rei fizesse o trabalho por ele, mas ainda precisava faze-lo acreditar na história que havia contado para Hasnah. No dia seguinte ela voltou e trouxe outro tipo de comida, uma sopa de milho. Sentia que seus ferimentos estavam melhorando e provavelmente poderia arriscar uma escapada quando ela viesse nos outros dias. Dessa vez, não sentia que precisava manter distância dela, sentia que precisava conversar com alguém.

– Eu mesma fiz essa sopa – disse ela enquanto trocava as bandagens – Espero que esteja boa...
– Está boa. Contou ao rei o que eu te falei?
– Eu não tive como falar com ele em particular – sorriu – Uma aprendiz de médica não tem muita voz aqui. Talvez eu deva dizer que sou médica do assassino de reis, aí vão me respeitar.
– Isso não soou muito bem, melhor esquecer o que eu te disse – Kai também sorriu – No meu julgamento eles vão ter que me ouvir. Porque você me ajuda e não tem medo de mim?
– Quando eu cheguei aqui, não vi nada além de um homem precisando de cuidados e você, até agora, não deu motivos para eu ter medo – falou a garota com sinceridade – Eu não acho que você é um assassino, eu disse aquilo como uma brincadeira.
– Mas eu matei aqueles reis mesmo. E muitas pessoas antes deles e provavelmente ainda vou matar mais, porque, apesar de tudo que eu te contei, eu sou bom nisso.
– Eu acho que te entendo – disse ela dando um nó em uma bandagem – Você foi criado para isso e agora está em um beco sem saída. Eu também faria de tudo para ficar viva.
– Minha consciência me diz que eu mereço ser julgado, meus instintos dizem para tentar de tudo para viver e eu te digo que a Irmandade precisa ser destruída. Esse é meu objetivo no momento e é por ele que eu quero viver – segurou a mão dela deixando o prato de lado
– Você quer que eu te liberte? – os cabelos negros refletiam a luz da tocha
– Até esse momento eu não sabia o que fazer, mas agora eu sei. Eu quero viver, eu quero destruir a Irmandade, depois eu posso ser julgado e morrer.
– Você deve ser a pessoa mais interessante com quem eu já conversei e a mais maluca – olhou para o lado – Eu não posso deixar você escapar, cortariam minha cabeça por isso.
– Eu não quero estragar sua vida e não quero que me deixe escapar. Só quero que você volte, até o dia do julgamento. Pode fazer isso por mim?
– Posso – sorriu olhando para a mão – Posso ter minha mão de volta?

Kai soltou a mão, os dois sorriram e Hasnah saiu pela porta da cela novamente, trocando um último olhar enquanto ela ia embora. Sabia que mesmo que ela fosse uma espiã, tinha que jogar o jogo dela, só assim teria uma chance de escapar. O dia do julgamento se aproximava e ele sabia o que deveria fazer agora, não mais como uma ferramenta, mas como um homem, deveria acabar com a Irmandade e a melhor forma de fazer isso não era pelo assassinato, mas pela política.

27 de abril de 2012

Um Anônimo 7



Despertou no escuro das masmorras do castelo. Estava molhado de suor, sentindo frio e náuseas. Haviam enrolado bandagens sobre seus ferimentos, mas nada mais e ele precisava de pontos. Enquanto jazia inconsciente, delirou com sua infância, quando era um garoto órfão, largado a própria sorte aos 13 anos. Viu novamente seus pais sendo assassinados em Konia na campanha expansionista de Jakinar pelas Terras Úmidas e lembrou dos dias que seu mestre o visitava debaixo da ponte e tentava convence-lo a unir-se à Irmandade.

Tentava voltar a si, se concentrava na textura da palha seca, precisava permanecer nesse mundo. Sentiu a ponta das unhas, precisava corta-las, as unhas quebradas continuavam assim, mas não haviam infeccionado apesar de não tê-las protegido com nada. Ouviu passos no corredor, eram passos leves, quando eles pararam na frente de sua cela, olhou para cima em sua posição torta, uma mulher trazia uma incandescente tocha que iluminava seu rosto pálido e uma bolsa na outra mão.

Tinha um olhar desconfiado, mas mesmo assim, colocou a bolsa no chão e pegou do cinto um molho de chaves, no qual escolheu uma e abriu a cela. Entrou com cuidado, esperando alguma reação violenta, depois de tudo o que tinha feito e tinham-lhe contado, ela esperava um super-homem, mas só encontrou um moribundo de cócoras na palha. Procurou um suporte na parede e quando achou, fincou a tocha nele e se ajoelhou ao lado do homem para examina-lo.

A mulher levantou a camisa rasgada e viu as bandagens ensanguentadas, olhou para ele e disse:
- Preciso que você se sente para eu poder dar os pontos que você precisa - tinha uma voz aguda, mas suave - Consegue se sentar?
- Já...estive...pior - disse entre calafrios

Usou o braço direito para virar as costas para ela e ficar de lado, podia sentir a dor da pele aberta repuxando, parou um instante para recobrar o fôlego e com a ajuda da garota, usou o outro braço para se sentar. Ela então desatou o nó e começou a desenrolar as bandagens vermelhas.

– É verdade que matou o nosso velho rei?
– Sim – não via porque esconder qualquer coisa agora
– Imagino que você teve uma vida ocupada – fez uma careta ao ver os ferimentos – vou limpar isso com álcool antes, tudo bem? Só para garantir.
– Você... É médica?
– Estou aprendendo ainda. Me falaram para vir treinar com você, quando o rei novo disse que te queria vivo.

Ela despejou o líquido em um pano e encostou na borda de uma ferida, que fez o anônimo arquear as costas por reflexo, o trazendo de volta à consciência por alguns instantes, esquecendo dos calafrios e da fraqueza para se concentrar no ardor, ainda assim não soltou nenhum lamento enquanto ela continuava a esfregar o pano.

– Se todos os pacientes fossem como você, deixaria minha vida mais fácil – sorriu pelo canto da boca – Tentei dar um xarope para um garoto e já foi um sufoco!
– Treinei para lidar com a dor – disse, mais seguro – mas ela nunca desaparece.
– Quer tomar alguma coisa para eu dar os pontos?
– Não é necessário – sentiu o estômago revirar – Se eu desmaiar, melhor, se não, melhor ainda.

Ela então começou a costurar a pele com a agulha curva, puxando as bordas do corte juntas. Ela não parecia ter qualquer nojo daquilo, mas também não tinha prazer, fazia apenas o que era preciso. O Anônimo já tinha sido suturado antes, mas não nas costas, cada agulhada parecia que traspassava para seu pulmão, todos os seu pelos estavam eriçados e suas mãos estavam trêmulas.

A mulher tentou conversar com ele, perguntando aonde morava e o que fazia, ele contou e então que roubava frutas de feirantes e bolsas de dinheiro de homens que andavam pela rua, quando era jovem. Contou que foi muito surrado quando era pego, mas melhorou com o tempo em roubar e correr. Foi quando num roubo, o homem lhe pegou pelo braço enquanto ainda segurava a bolsa, tinha um barba negra e espessa, mas bem feita, tendo os cabelos escondidos por um capuz. Quando soltou a bolsa, o homem o soltou e ele correu, correu para debaixo de uma ponte de madeira escura, onde o rio havia secado por conta de uma represa. Dormia em um monte de palha com um cobertor velho e chamava de lar.

Aquele homem o tinha seguido e lhe apareceu de repente, criticando seu modo de vida e lhe oferecendo algo melhor em outro lugar. O anônimo recusava, achava que nenhuma ajuda vem sem um preço e sabia como as coisas eram, ainda mais para uma criança. Mas quanto mais o homem lhe falava daquele lugar, o lugar dos homens honrados, o lugar dos homens que não podiam ser derrotados, mais o garoto se interessava e quando ele foi visitar o castelo onde essas pessoas eram treinadas, se convenceu a ficar.

E realmente, todo o conforto que teve, veio com um preço, o preço do treinamento duro, o preço dos juramentos de sangue, o preço da dor. Tinham-lhe transformado em uma ferramenta assassina, mas nunca conseguiram mudar quem ele era e seu modo de pensar. Foi assim que cresceu, com a mente ativa, questionadora dos próprios princípios da irmandade, porque despida de toda honra, ela era uma empresa e uma fábrica de assassinos de aluguel, matando para quem pagasse mais.

Quando a garota terminou o ultimo ponto, Hakim já não se lembrava do quanto havia falado, foram dez minutos que mais pareceram horas, sua respiração estava ofegante e os pontos que havia levado latejavam.

– Essa foi uma história incrível, tão diferente da minha vida simples – procurou por algo mais na bolsa – Coma uma maçã, vai se sentir melhor.
– Espero... Que ela não esteja envenenada.

Ela riu e ele deu uma mordida na maçã, ainda de costas, não ousava se mover dali, provavelmente nem conseguiria. A garota limpou a agulha e a guardou em uma pequena pasta de couro, que continha outros instrumentos. Jogou tudo dentro da bolsa e pegou a tocha para ir embora:
- Em alguns dias, os reis vão se reunir para te julgar, eu vou voltar para garantir que você esteja vivo até lá.
– Qual o seu nome?
– Hasnah e o seu?
– Pode me chamar de Kai.

A garota então saiu pela porta da cela e a fechou, virando a chave. Kai ficou ali, pensando que talvez tenha cometido um erro em contar tanto para uma mulher que nem conhecia, enquanto pessoas que ele chamava de amigos, não sabiam nem seu nome. Poderiam tortura-lo por dias e ele nada falaria, deixa-lo morrer de fome e sede e ele permaneceria mudo, mas de todas as armadilhas que lhe poderiam jogar, caiu na mais cruel, as graças de uma mulher.

20 de abril de 2012

Um Anônimo 6



Acordou no escuro, havia um saco de pano sobre sua cabeça, suas mãos pareciam amarradas com uma corda, assim como seus tornozelos. Sentia o balançar de uma carroça, sua cabeça latejava e o espaço em que estava era pequeno, tinham dobrado seus joelhos para caber por completo.

Tinham-lhe amarrado com as mãos nas costas, desconhecia esse modo de agir, se fosse sua Ordem, já estaria morto e não preso no baú de uma carroça. Mas voltou seus pensamentos para a fuga e começou a tentar se desvencilhar do nó. Tinha conhecimentos em escapar de cordas, mas aquele nó foi especialmente bem dado, foi então que a carroça parou. Fingiria estar desacordado e tentaria escapar no trajeto de seja lá aonde o estejam levando.

O baú foi aberto, pelas fibras do tecido, distinguiu algo como um homem negro e sem cabelos, que o levantou pelos braços e o colocou em seu ombro, viu algumas luzes e alguns homens em armaduras de couro, mas nada mais ao longe, embora o chão feito de pedras o lembrava de um lugar em que estivera antes.

O homem segurava suas pernas com o braço pesado, era alto e a escapatória pareceu improvável, já que a corda passava entre os dois pulsos e tornozelos, sendo difícil escorregar pela abertura e naquele momento, impossível de agir sem chamar a atenção de alguém. Se mexer e tentar fugir seria igualmente inútil, só acabaria machucado. Teve que esperar a longa trajetória até as masmorras do que parecia ser um castelo. O cheiro de podridão só não era pior que o cheiro de fezes e urina que se sentia logo ao entrar nas masmorras escuras daquele lugar.

A partir daí o homem alto deu cerca de dez passos até encontrar uma cela vazia e jogar o Anônimo em seu chão imundo, fechando a porta de ferro com um rangido pesado em seguida. Esperou alguns segundos até não ouvir mais nada e tentou afrouxar as cordas, apenas o bastante para poder tocar na sua outra palma. Isso lhe deu espaço o bastante para trazer as mãos para frente, as passando por debaixo de suas pernas, o resto foi mais fácil, tirou o saco da cabeça e desatou as mãos e os pés em seguida. O chão era feito com pedras mal acabadas, com certeza resto de alguma construção, assim como as das paredes, mas essas pareciam ter sido melhor trabalhadas. Em um canto havia um montinho de palha para dormir e no outro, uma latrina fétida que não havia sido limpa há muito tempo.

Deu uma breve olhada na porta de ferro, tinha uma moldura quadriculada, ao invés de simples barras e já dava sinais de ferrugem, viu poderia abrir a tranca já que o mecanismo não era complexo, mas não tinha material com que trabalhar. Sentou na palha e tentou meditar, mesmo com o cheiro repugnante que não lhe saía do nariz. Aquela era uma masmorra de castelo, mas qual castelo? Não sabia quanto tempo tinha dormido e isso não acontecia, devem ter dado alguma droga para seda-lo, logo, poderia estar em qualquer lugar. Checou a barba e ela ainda não havia crescido, olhou pelas barras da janela e só viu a noite.
Esperou a manhã chegar e deu outra olhada pelas curtas barras, mas não reconheceu o lugar. Tinha ido dormir com roupas finas, que ficavam sobre suas roupas mais pesadas, jamais dormia nu, para evitar estar desprotegido em uma situação similar, mas aquelas roupas sem bolsos não escondiam nenhuma navalha ou artefato que pudesse usar. “Parece que depois de tanto tempo, os deuses vieram cobrar pelos meus pecados”, pensou.

Algumas horas se passaram e pode sentir a fome chegando, assim como ouviu passos ecoando pelo corredor de pedra. O homem alto e careca voltou, junto com outro homem, mais baixo, com uma barba pontuda no queixo e cabelos negros penteados para trás, fixados com alguma pasta incolor. Nenhum dos dois trazia armas em seus cintos.
– Eu não disse que ele estaria sem cordas? – comentou o mais baixo
– É, você acertou – o mais alto tinha um sotaque da Tucasca – Está acordado, assassino?
– À quem eu devo a honra da minha captura? – perguntou abrindo os olhos, ainda sentado na palha
– O rei Ezaquiel, é claro – replicou o outro – Você foi tolo de vir aqui na noite passada, muito tolo
Tinha sido traído pelo rei padeiro, não deveria se surpreender, mas sentiu uma ponta de tristeza que não teve dificuldade em esconder dos dois.
– E quem são vocês?
– Chega de perguntas – falou o homem com seu sotaque – coloque suas mãos entre as grades e traga a corda para eu te amarrar, vai nos polpar o trabalho de termos que te socar aí dentro.
– Gostaria de vê-los tentarem – sorriu – Agora que estou acordado
O mais alto aceitou o desafio, mas o da barba foi mais prudente e o impediu, o lembrando do que lhes haviam aconselhado. Quando o homem moreno se convenceu, o outro disse:
– Se você quer dar uma palavra com o Rei, venha em nossa custódia e não haverá problemas, para você ou para nos – falou de forma suave enquanto a barba se mexia – Devo alerta-lo também, que temos uma dúzia de guardas na porta da masmorra. Você não sairia daqui, mesmo se matasse a nos dois.
– Você ficaria surpreso, senhor.

Se levantou e pegou a corda do chão, passando suas mãos por um dos espaços quadrados da porta de ferro. O careca pegou a corda e o amarrou da mesma forma que antes, apertando seus punhos bem firmes para evitar que escapasse. Quando terminou, o Anônimo se afastou da porta e o mais baixo a abriu. Pensou que era uma pena eles não terem trazido armas, poderia se utilizar delas e eles estavam cientes disso.

Os acompanhou até as escadas da masmorra sem qualquer resistência e quando chegaram ao seu topo, viu que os doze guardas estavam lá, pelo menos o homem tinha palavra. Subiram algumas escadas e chegaram a uma porta entreaberta, que o mais baixo abriu por completo, o rei estava lá, sentado em uma cadeira de madeira almofadada, com uma grande mesa de café da manhã à sua frente, cheia de bolos, sucos, travessas de metal e pratos de porcelana, com apenas uma outra cadeira vazia do extremo oposto do rei. Os dois entraram e fizeram uma reverência com a cabeça, que o rei devolveu igualmente. Pediu para o Anônimo sentar-se e aproveitar a comida.
– Estou de mãos atadas, senhor
– Tirem as amarras dele – disse o rei e apesar de relutante, o careca o fez – Não acho que você tenha planos de me matar ainda. Me pareceu um homem sensato, por isso estou sendo sensato com você
– Você me sequestrou no meio da noite, isso geralmente instiga os instintos mais primários do ser humano
– Sem dúvida. Mas ou eu te capturava, ou eu traía a confiança dos outros reis – falou Ezaquiel, bebendo de uma taça – Tive que fazer uma escolha e embora eu não te deva nada, também não te vejo como um assassino sem causa.
– Agradeço por isso, mas ainda estou aqui contra minha vontade – ele não tocou na comida
– Está, mas veja pelo meu ângulo. Pouco depois que eu me tornei rei, os novos reis de outras cidades das Terras Secas, elaboraram um conselho para juntar forças e impedir que o mesmo acontecesse com eles – largou a comida e olhou nos olhos do Anônimo – Eu fui um dos idealizadores desse conselho e não poderia deixar que o assassino de reis escorregasse pelas minhas mãos. Não depois de tanto trabalho e tantos juramentos.
– Então é por isso que eu estou aqui. Pelas suas promessas.
– Os outros reis estão vindo para cá, nós vamos decidir o seu destino e se me disser que não planeja machucar nenhum dos novos reis, vou advogar a seu favor.
– Como você disse, não sou um assassino sem causa e por esse mesmo motivo, não posso garantir a segurança dos outros reis. Mas se considera-os pessoas de caráter, não tem que se preocupar comigo.
– Ótimo, então eu vou advogar para que tenha uma morte rápida.

O rei voltou a comer com os olhos baixos. Isso não era bem o que Hakim esperava, mas sabia que depois de tudo que tinha feito, provavelmente era o melhor que iria conseguir. Começou a comer o que estava a seu alcance, isso ajudaria a mascarar o gosto amargo do destino e da morte. Quando terminou, o rei se despediu e foi embora, junto com o homem de cabelos negros. A guarda de doze homens estava do lado de fora e o homem moreno foi apressar o Anônimo, que por sua vez se abaixou para pegar algo debaixo da mesa e levantou rapidamente para cravar um pedaço de porcelana quebrada atrás do joelho do homem, que caiu urrando de dor.

Os outros guardas vieram conte-lo com armas, um deles tentou alveja-lo com sua lança, que perdeu em questão de segundos, tão rápido quanto perdeu o olho esquerdo. Desviou de outras investidas e com a lança desviou de outras mais, tirando elmos, cortando gargantas e espetando pés, tão mal protegidos por aquelas armaduras. Quando conseguiu capturar uma espada, lhe cercaram e falhou em desviar das lâminas que o cortaram as costas e os ombros, tingindo sua roupa de sangue e finalmente pintando as espadas de seus oponentes. Perdeu o ímpeto e levou um dos joelhos ao chão, ainda desviava dos golpes de espadas, mas já estava sem folego e com a visão embaçada por conta dos golpes que havia levado na cabeça com os cabos das lanças, foi aí que um último baque, o fez cair desacordado.

16 de abril de 2012

Histórias Perdidas

Venho com muito prazer informar-lhes que lancei um ebook de contos. E ele só vai custar 1,99.

Eu já paguei muito mais de 1,99 por produtos da leadership que são uma merda. Aliás, já paguei muito mais do que isso em livros físicos que eu não gostei. Esse talvez seja o maior problema dos livros físicos, são caros por você ter que pagar pelo papel e à editora, com seus diagramadores e designers e as migalhas sobram para o pobre autor.

É claro que o trabalho final é profissional, na maioria das vezes, mas ainda assim você pode ter pago tudo isso e o livro ser ruim, aí você dá de presente para alguém que você não gosta.

Por isso, eu acredito muito no formato ebook, uma parte vai para o site que você "publica" e o resto para você, o que já conta com seu esforço em diagramar, fazer a capa, etc etc, mas se o livro for bom, essas coisas são o de menos, afinal, você já pagou barato por algo que você gostou, o autor fica feliz e você está feliz, todos saem ganhando.

Talvez o maior problema dos ebooks, ser a leitura obrigatória no computador, o que é uma falácia na verdade. Se você tem um celular um pouco mais novo, em que você pode baixar aplicativos, tenho certeza que tem um leitor de ebooks excelente para ele e tudo que você tem que fazer é converter o pdf  para o formato que esse leitor aceite.

Bons leitores de ebooks no celular:
Para Symbiam: Mobipocket
Para Android: Aldiko
Para Iphone: você deve estar de sacanagem, Ibooks

Para o PC, o Adobe Reader já faz o trabalho, todos vocês devem te-lo instalado e o meu livro já vem nesse formato. Mas você é livre para converte-lo para onde você preferir.

Enfim, depois de tudo isso, o link para meu ebook: Histórias Perdidas
Leia as primeiras páginas e se gostar compre. Eu preciso pagar a conta de luz.

13 de abril de 2012

Um Anônimo 5




Hakim e Jullius conversaram por mais um tempo, depois de terminarem de jantar. Jullius chamou algumas mulheres para dançarem para eles e ali ficaram bebendo e fumando com tudo do melhor que aquelas terras secas poderiam oferecer. Já era por volta da meia-noite quando o anônimo se despediu e voltou ao seu quarto.

Pegou sua bolsa pequena com os itens que tinha separado, o sangue tinha sumido, fazia parte de seu tratamento especial naquele lugar. Por fim pulou na mesa, com a tira de couro de sua bolsa atravessando o peito, abriu a janela e a atravessou.

Procurou reentrâncias e pedaços de arquitetura e sem dificuldades, mas devagarmente, desceu a parede de tijolos que foi recém reformada para dar um ar belo ao prédio. Não viu ninguém quando finalmente pousou, mas pelo costume, pegou seu capuz e o colocou sobre a cabeça escondendo seu rosto pelas sombras. Andou devagar em direção ao grande castelo, por vezes via ratos e baratas fazendo suas rondas noturnas pelas ruas e lembrou-se do juramento que fez em não matar nada que não possua consciência e isso incluía todos os animais, mesmo as pragas. Isso não importava mais agora, poderia esmagar quantas baratas desejasse.

Chegou ao alto muro que cercava o castelo, construído há muitos anos com grandes blocos de pedra e argamassa, feita de uma mistura de água, terra e areia. Circundou o muro, procurando algo, mesmo cada pedra sendo idêntica à outra. Quando achou o que procurava, parou, uma parte da argamassa que escorria petrificada por entre os tijolos estava gasta, como se tivesse sido cavada por uma faca, olhou para cima e viu vários trechos cavados da mesma forma, era por ali que trabalhadas que lembram pontas de flecha, sendo colocadas intermitentemente, deixando um espaço suficiente para um homem passar, se ali tivesse chegado. Hakim descansou ali por um instante, tinha rachado duas unhas e estava suando, mas sabia que a parte difícil já havia passado. Agora bastava descer com cuidado cerca de um metro e meio e pular para o galho de uma árvore que crescia rente ao muro, por sorte a árvore continuava de pé no mesmo lugar, mas agora parecia melhor podada.

Desceu pelo muro e olhou de costas para o galho, só podia dar impulso com as pontas dos dedos, então ficou um pouco acima dele, para compensar a força da gravidade, pulou para o galho esticando seu corpo e dando um ultimo impulso com a perna direta, o galho veio até ele que por sua vez o abraçou com o braço direito, para não perder o equilíbrio e usou o esquerdo para aliviar o impacto junto com seu joelho. Engatinhou como um tigre numa árvore e desceu os galhos até o último, de onde pulou.

Repetia os mesmos passos que naquela noite há um ano atrás, tudo estava onde lembrava, os bancos, a grama, as flores, mas pareciam ter alguma vida agora, um cuidado especial. Achou outro caminho que tinha feito, esse dava para uma janela quebrada por onde tinha entrado com facilidade. Escalou a construção e chegou a janela do primeiro andar, tinham-na trocado por completo, o anônimo pegou sua faca e a forçou pela brecha da janela com apenas uma mão, já que a outra estava segurando o parapeito, forçou a faca para cima até sentir a resistência da tranca, que foi quebrada pela sua força.

Abaixou a cabeça para abrir as janelas e entrou na escuridão do quarto que não estava sendo usado por ninguém. As portas, é claro, não estavam trancadas, daria mais trabalho destranca-las com a chave mestra do que deixa-las abertas e assim ficavam. A guarda do rei impediria qualquer ameaça que ousasse cruzar os muros do castelo e há um ano aqueles corredores mal iluminados estavam realmente cheios de guardas, utilizou-se de muitas portas destrancadas para estocar corpos, mas hoje não havia ninguém, só as tochas acesas por óleo de peixe.

Rumou pelos corredores, lembrando-se do caminho que tinha decorado quando fingiu ser um serviçal para saber a localização dos aposentos do rei. Não viu nenhum guarda em seu caminho, mas ouviu a voz de uma homem quando virou a esquina de um corredor, começou então a andar silenciosamente, procurando com seus ouvidos a origem do som, andou alguns metros até ver uma porta entre aberta em que discerniu um “boa noite”, jogou-se ao chão e espreitou pela porta, viu um homem alto se levantando de uma cadeira, que moveu até um lado do quarto, enquanto havia duas camas, uma do lado da outra, com uma criança em cada.

Tirou a cabeça do batente e levantou-se, abrindo a porta ao lado, à encostando e deixou apenas espaço o bastante para poder ouvir os passos do homem quando saísse. Ouviu o leve ranger da porta, mas depois disso nada. Ele não estava vindo em sua direção ou já o teria ultrapassado, então estava indo para os aposentos do rei, pensou. Saiu dali e o seguiu a passos leves, sempre se encostando nas portas, para caso o homem se virasse, ele teria como sumir.

O provável rei usava um pijama de linho, longo e calçados feitos de pano, por isso não faziam barulho. O homem virou várias esquinas por aqueles corredores e Hakim teve certeza que aquele homem não estava indo para os aposentos do rei, se fosse um criado, estava perdendo tempo, mas como nunca tinha visto um serviçal do sexo masculino cuidar de crianças, resolveu que valia ver até onde ele iria. Chegou no fim de um corredor, onde abriu uma porta dupla, revelando uma sacada com duas cadeiras apontando para a vista e uma mesa entre elas, que apoiava uma bandeja com vários copos virados para baixo e algumas garrafas de bebida de cores diferentes. O homem virou um copo e verteu 2 dedos de um líquido vermelho, se sentando numa das cadeiras em seguida.

O anônimo se aproximou, colocou as duas mãos na cadeira ao lado e disse:
– Posso-me sentar aqui, senhor?
– Quem é você? – virou-se assustado – Um ladrão, presumo.
– Não vim lhe roubar nada e nem machuca-lo, mas quero ter uma palavra com você, já que é o rei – disse sem ter muita certeza, mas que serviçal beberia no meio da noite
– Eu geralmente tenho reuniões pela tarde – moveu seu corpo para encarar o homem de frente – Mas pelo visto você não é um cidadão comum, sente-se e sirva-se de uma bebida.

O anônimo serviu-se da mesma bebida do rei, tinha um forte cheiro de álcool e sentiu um gosto amadeirado depois da queimação inicial em toma-lo. O rei não parecia preocupado, tinha tomado um susto mas foi só, sua face era quadrada e tinha evidentes olheiras, que lhe davam um olhar de cansado ao mesmo tempo que sério.

– Ouvi dizer que você era um padeiro antes de virar rei, as mordomias dessa vida já lhe corromperam?
– Ha ha, não existem mordomias em ser rei, em governar uma cidade, só problemas para serem resolvidos. Mas eu ainda sou um padeiro, você não deve ter visitado minha cozinha.
– E porque seria? Tem serviçais para fazer esse trabalho para você.
– Nesse caso, eu não teria o prazer de fazer o pão e esticar uma massa me ajuda a relaxar. – tomou um gole da bebida – Assim como cuidar das crianças.
– E beber.
– Aye – levantou o copo para cima – Me tornei rei porque eu sou bom com finanças, mas tento ajudar as pessoas porque esse é o dever de um governante. Imagino que sua Ordem entenda isso.
– O que você sabe sobre minha Ordem?
– Sei que são discretos, mas toda Ordem precisa guardar dinheiro em algum lugar e eu conheço a vestimenta de vocês. Se vocês parassem de usar capuz em todo canto, seriam mais discretos.
– Ha ha, vou me lembrar disso, mas como deixei minha Ordem, seu conselho não vai chegar a eles.
– Não sabia que vocês podiam sair assim, sem mais nem menos.
– Não podemos, mas eu fiz minha escolha – Hakim tomou mais um gole daquela bebida e sentiu queimar
– Você matou os reis, durante esses anos. Achei que fosse um grupo de assassinos, nunca um homem só.
– Eu nunca disse isso – disse sem emoção
– Mas é verdade não é? – olhou para o rosto sem expressão de Hakim – Interessante, você se arrepende disso?
– Não tenho do que me arrepender, além do mais, aqueles reis mereciam a morte.
– Não sou homem de julgar as ações dos outros, mas muita coisa estava ruim realmente e muita coisa ficou pior, depois. Eu lembro dos folhetos, deveria ter deixado isso nas mãos do povo.
– Eu devolvi ao povo sua soberania – deixou escorregar por entre os lábios
– Admiro o que você fez, como um homem só e concordo que o povo é mais forte que seu governo. O problema é não pensarem como um. O problema e a solução do povo é ele próprio.
– Um povo oprimido e letárgico não sabe o que fazer. Eu devolvi a escolha a eles, para o bem ou para o mal, mesmo o mal sendo tão frequente.
– Eu acho que o povo acaba evoluindo. Não podemos viver em cabanas de pedra para sempre, as coisas tem que mudar em algum momento, o povo tem que acordar em algum momento. Mas para mim essa escolha cabe as pessoas e somente elas.
– E se minha interferência apenas adiantou as coisas?
– Nem todas as pessoas estão preparadas para mudar, tudo tem sem tempo de acontecer.

O anônimo ponderou sobre aquilo, era a primeira vez que alguém lhe tinha dado um argumento que o fazia reconsiderar o que tinha feito. Ele era uma ferramenta, mas quem batia o martelo também era ele e devia também ter considerado que nem todos estão prontos para a mudança e uma mudança forçada como tinha feito, só causaria dor a quem não está preparado, não existe opção para eles.

– Eu considero seus pontos válidos. Mas isso não muda meus objetivos e o que eu já fiz. Devo consertar o que está quebrado por minha causa, se ainda puder e por isso estou aqui. Para saber se você vai causar problemas a cidade.
– Eu não sei, provavelmente sim. Terá que vir me matar algum dia, quando eu falhar. Como os outros falharam.
– Se reconhece o valor da humildade e de ajudar seu povo, não vejo motivo para faze-lo. Não conheceu os reis como eu conheci, todos corrompidos pelo poder e pela riqueza, o povo era coadjuvante em seu reinado, apenas ali para serem controlados e provirem o rei. Por isso estão mortos.
– Não é algo que eu faria, – disse o rei, terminando sua bebida – mas vou tomar cuidado.
– O poder corrompe o homem – comentou Hakim
– Discordo, o homem corrompe o poder.

O anônimo terminou sua bebida, abaixou a cabeça em cumprimento ao rei e se despediu, saindo pela porta dupla. Fez todo o caminho de volta, saiu pela janela, agora quebrada, subiu na árvore e pulou para o muro de pedras, descendo calmamente pelo outro lado. Tinha gostado do rei, achou que era um homem sensato e seria um bom governante, por um tempo. No bordel, escalou a parede do edifício e entrou pela janela, a fechou e deixou suas coisas em cima da mesa, tirou sua roupa e iria deitar-se, mas antes, pegou seu capuz e o jogou no lixo.

6 de abril de 2012

Um Anônimo 4



O homem não gritou, mas não estava morto, levou uma mão ao pescoço e procurou os olhos do amigo por uma explicação, que por sua vez largou a adaga no chão e rasgou um grande pedaço de sua camisa de algodão e entregou para o outro.

- Você deveria ter-me matado – pegou o tecido e o colocou na ferida
- Desculpe, não sou capaz de matar um amigo – foi até a cama deixar seus pertences – Embora seja egoísta de minha parte, você pode voltar com uma desculpa agora.
- Eles vão saber, eles sempre sabem
- Eles não são magos, Iman, magia não existe – sentou-se na cama – Devo chamar um médico?
- Não, eu trouxe linha e medicamento – pegou uma pequena bolsa de seu cinto – Vou usar seu banheiro.
O sangue escorria pela roupa de Iman, mas não era uma ferida fatal, embora fosse uma área difícil de não causar danos. Ele tomou uma bebida de um frasco e usou o espelho para dar pontos em si mesmo, usando uma agulha curva como foice, foram cinco pontos a sangue frio, já tinha passado por coisa pior, pensou. Voltou à sala e disse para Richard:
- Precisão cirúrgica, Hakim, ou eu deveria chama-lo de Richard agora?
- Me chame do que quiser – Hakim estava arrumando uma bolsa, tinha largado o resto de seus pertences no armário – Preciso visitar o novo rei, ver se ele é um homem íntegro
- Qual seu propósito agora? Já não matou os reis? Libertou as cidades?
- Preciso ver o dano que eu causei – colocou a bolsa em cima da mesa – alguns erros são irreparáveis, mas outros talvez eu possa consertar.
- Precisa admitir que seu propósito acabou – riu Iman – Deixe que os deuses decidam seu destino agora.
- Eu sou uma ferramenta, Iman, nada mais. Continuarei arando a terra até quebrar.
- Peça e receberá – continuou com o sorriso no rosto

Iman atravessou o quarto e passou pelo Anônimo, subiu na mesa, abriu a janela e saiu, se pendurando na arquitetura externa do bordel. Hakim fechou a janela e se sentou para admirar o vai e vem das pessoas, que agora pareciam tão distantes da pobreza. Não importava o quão bem elas estavam, se o rei fosse corruptível, isso não duraria muito tempo. Esse é seu propósito, essa é a missão que ele escolheu.

Aguardou o anoitecer, tinha dormido para reabastecer suas energias, não teve sonhos, aprendeu a suprimi-los dentro da Irmandade, já que sonhos nos arrastam para outros mundos e um homem nunca deve perder contato com a realidade. Acordou consciente do tempo que tinha dormido, eram oito horas da noite, precisava comer alguma coisa antes de partir.

Jullios o convidou para jantar com ele em seus aposentos. Um quarto amplo no último andar, paredes pintadas de vermelho, assim como o carpete e as cadeiras de camurça de cabra, que eram adornadas de dourado nos pés e encosto. A frente delas jazia uma mesa retangular feita de mogno, onde repousavam diversas frutas e animais assados, algumas mulheres ainda estavam arrumando a mesa quando Hakim entrou com Jullios, que disse gostar de comer fartamente, ainda mais na companhia de amigos.

Naquela noite comeu muito bem, uma refeição que não fazia a muito tempo e provavelmente não voltaria a fazer tão cedo. Os dois ficaram discutindo o estado de outras cidades, o Anônimo ficou sabendo quais tinham prosperado e quais tinham tido seu declínio de antemão, mas ainda achava necessário visita-las.
Matou 10 reis em 10 cidades, 6 cidades caíram em caos completo, duas dessas viraram cinzas, as outras 4 tiveram trocas de poder, Nicosa não entrou em um estado de pânico por conta da apatia e a pobreza da população, o novo rei era um padeiro, uma boa parte das pessoas, Jullios inclusive, disseram que ele deveria ser rei pelo seu jeito com as pessoas e com dinheiro. Ele acabou aceitando e levou o povo da pobreza a riqueza no espaço de 1 ano.

- Solima, o que aconteceu com a cidade?
- Não sei-lhe dizer, ouve boatos da morte do rei, mas... – Jullios fez a conexão – Acho que não são boatos, então. Alguém dentro da hierarquia deve ter assumido o posto e tentou esconder a morte, aconteceu isso em Gartaga, como eu disse, eles não estão indo muito bem.
- Entendo – tomou um gole de vinho – Solima foi muito recente, imaginei que as coisas ou estariam estagnadas ou ela tivesse queimado até cinzas.
- Não se sente culpado pela morte de dezenas? Não que eu esteja reclamando, olhe o que o padeiro fez por mim!
- Disse isso a um amigo meu e vou dizer à você, um homem tem que fazer, o que um homem nasceu para fazer.

30 de março de 2012

Um Anônimo 3


Um homem chegava a cavalo a uma bela cidade, cercada com paliçadas de madeira levantadas para uma guerra que nunca aconteceu. O homem entrou na cidade por uma passagem na estrutura de madeira, aonde havia muitas pessoas saindo e entrando com grandes carroças, lotadas de verduras, legumes e outros alimentos. O chão era feito de pedras, que ressonava com o barulho das vozes das pessoas que negociavam e trocavam produtos em meio a um calor seco, apenas apaziguado pelas sombras dos toldos e sombrinhas que alguns traziam consigo, o que às vezes dificultava o caminho do homem que calmamente desviava das pessoas e carroças paradas.

Ele já tinha estado ali antes, como estivera na cidade anterior, mas as coisas tinham mudado, onde se via crianças pedindo esmolas, agora haviam crianças vendendo jornais, assim como as lojas quase sem estoques agora estavam sem espaço para armazenar tudo que o dinheiro podia comprar. Quem falou isso era um conhecido do homem sem nome, Jullios, que comandava um pequeno cabaré no coração da cidade de Nicosa.
- Então Richard, parece que seu plano deu certo, apesar de tudo – continuava Jullios – Tivemos um pequeno alvoroço, mas o povo venceu.
- Plano? Não sei do que você está falando – retrucou o homem
- Eu sei que foi você – deu um sorriso pretensioso – Uma pessoa comprou 2 Kg de papel a muito tempo atrás, quando ainda não tínhamos caído na lama total. Depois que assassinaram o Rei, apareceram os folhetos com aqueles dizeres. Eu fiz as contas.
- Não sei do que está falando – o homem abriu um sorriso – Preciso de um quarto, o de sempre.
- Fico feliz em saber que escolheu o meu estabelecimento – Jullios passou a mão por dentro do balcão e pegou uma chave – mesmo sabendo que os hotéis daqui não têm mais pulgas.
- Mesmo que tivessem – disse pegando a chave de sua mão – nada se comparava a tomar café da manhã de frente para belas mulheres.

Os dois riram e Jullios tratou de mandar colocar o cavalo do homem para dentro de seus estábulos enquanto ele subia para os quartos. O lugar tinha um carpete vermelho pelas paredes e no chão, com rodapés chanfrados feitos de madeira escura, sentindo uma leve essência de perfume feminino, podendo ouvir gemidos fingidos por fora das portas que passava. Seu quarto era o 06, ultimo do corredor que dava para os fundos do lugar, virou a chave na porta de madeira e abriu a porta. 


Havia um homem sentado em uma das cadeiras que ficavam ao lado de uma mesa de café, ele vestia uma roupa de algodão e linho tingida de branco, tinha cabelos negros e longos, mas nenhuma barba. O homem sem nome entrou sem se preocupar, fechando a porta atrás de si e deixando a chave pendurada na fechadura. Chegou perto do intruso e disse:
- Não esperava vê-lo aqui, irmão – o homem de branco se levantou
- Claro que não esperava – sorriu – se esperasse, eu ficaria muito chateado comigo mesmo.
Os dois fizeram um comprimento característico que consistia em agarrar a mão do outro como que pelo polegar e puxar o peito um para o outro terminando em um abraço fraternal. O homem de branco disse:
- Não acredito que você fez o que fez
- Também não acredito. – foi à frente da mesa para saborear uma uva – Mas fiz o que achei certo. Nosso mestre nos disse para fazer isso.
- Ele também nos disse para não usar o Ato fora de missões oficiais. – disse o homem de branco fechando o rosto – Você sabe o que eu vim fazer aqui. Ninguém deixa a irmandade sem consequências. Ninguém faz o que você fez sem consequências.
- Acredito que como meu amigo e ex-irmão, se assim você preferir – começou, o homem sem nome – Você só me veio dar um aviso.
- Exatamente – falou amargo – Mas vou ter que caça-lo depois disso. E quando eu não conseguir pega-lo, vão enviar outro em meu lugar. Talvez me executem se souberem que eu lhe avisei que estamos cientes de seus feitos e eles sempre sabem.

Ele sabia o que isso significava. O homem de branco se sentou na cadeira e tirou uma faca prata adornada com símbolos da irmandade e a estendeu com as duas mãos para o homem chamado Richard, que o olhou de volta, ainda em frente à mesa, pegou a faca de suas mãos. A empunhou com a mão direita enquanto o homem abaixava a cabeça, deixando os cabelos caírem, escondendo seu rosto em um tétrico véu de morte.

Richard se afastou da mesa, ficando ao lado do outro, se preparando para dar o golpe. O punhal subiu e reluziu com a luz em um momento de hesitação para enfim descer em um rápido golpe que cortou o pescoço do homem, manchando de vermelho o tecido branco.