20 de abril de 2012

Um Anônimo 6



Acordou no escuro, havia um saco de pano sobre sua cabeça, suas mãos pareciam amarradas com uma corda, assim como seus tornozelos. Sentia o balançar de uma carroça, sua cabeça latejava e o espaço em que estava era pequeno, tinham dobrado seus joelhos para caber por completo.

Tinham-lhe amarrado com as mãos nas costas, desconhecia esse modo de agir, se fosse sua Ordem, já estaria morto e não preso no baú de uma carroça. Mas voltou seus pensamentos para a fuga e começou a tentar se desvencilhar do nó. Tinha conhecimentos em escapar de cordas, mas aquele nó foi especialmente bem dado, foi então que a carroça parou. Fingiria estar desacordado e tentaria escapar no trajeto de seja lá aonde o estejam levando.

O baú foi aberto, pelas fibras do tecido, distinguiu algo como um homem negro e sem cabelos, que o levantou pelos braços e o colocou em seu ombro, viu algumas luzes e alguns homens em armaduras de couro, mas nada mais ao longe, embora o chão feito de pedras o lembrava de um lugar em que estivera antes.

O homem segurava suas pernas com o braço pesado, era alto e a escapatória pareceu improvável, já que a corda passava entre os dois pulsos e tornozelos, sendo difícil escorregar pela abertura e naquele momento, impossível de agir sem chamar a atenção de alguém. Se mexer e tentar fugir seria igualmente inútil, só acabaria machucado. Teve que esperar a longa trajetória até as masmorras do que parecia ser um castelo. O cheiro de podridão só não era pior que o cheiro de fezes e urina que se sentia logo ao entrar nas masmorras escuras daquele lugar.

A partir daí o homem alto deu cerca de dez passos até encontrar uma cela vazia e jogar o Anônimo em seu chão imundo, fechando a porta de ferro com um rangido pesado em seguida. Esperou alguns segundos até não ouvir mais nada e tentou afrouxar as cordas, apenas o bastante para poder tocar na sua outra palma. Isso lhe deu espaço o bastante para trazer as mãos para frente, as passando por debaixo de suas pernas, o resto foi mais fácil, tirou o saco da cabeça e desatou as mãos e os pés em seguida. O chão era feito com pedras mal acabadas, com certeza resto de alguma construção, assim como as das paredes, mas essas pareciam ter sido melhor trabalhadas. Em um canto havia um montinho de palha para dormir e no outro, uma latrina fétida que não havia sido limpa há muito tempo.

Deu uma breve olhada na porta de ferro, tinha uma moldura quadriculada, ao invés de simples barras e já dava sinais de ferrugem, viu poderia abrir a tranca já que o mecanismo não era complexo, mas não tinha material com que trabalhar. Sentou na palha e tentou meditar, mesmo com o cheiro repugnante que não lhe saía do nariz. Aquela era uma masmorra de castelo, mas qual castelo? Não sabia quanto tempo tinha dormido e isso não acontecia, devem ter dado alguma droga para seda-lo, logo, poderia estar em qualquer lugar. Checou a barba e ela ainda não havia crescido, olhou pelas barras da janela e só viu a noite.
Esperou a manhã chegar e deu outra olhada pelas curtas barras, mas não reconheceu o lugar. Tinha ido dormir com roupas finas, que ficavam sobre suas roupas mais pesadas, jamais dormia nu, para evitar estar desprotegido em uma situação similar, mas aquelas roupas sem bolsos não escondiam nenhuma navalha ou artefato que pudesse usar. “Parece que depois de tanto tempo, os deuses vieram cobrar pelos meus pecados”, pensou.

Algumas horas se passaram e pode sentir a fome chegando, assim como ouviu passos ecoando pelo corredor de pedra. O homem alto e careca voltou, junto com outro homem, mais baixo, com uma barba pontuda no queixo e cabelos negros penteados para trás, fixados com alguma pasta incolor. Nenhum dos dois trazia armas em seus cintos.
– Eu não disse que ele estaria sem cordas? – comentou o mais baixo
– É, você acertou – o mais alto tinha um sotaque da Tucasca – Está acordado, assassino?
– À quem eu devo a honra da minha captura? – perguntou abrindo os olhos, ainda sentado na palha
– O rei Ezaquiel, é claro – replicou o outro – Você foi tolo de vir aqui na noite passada, muito tolo
Tinha sido traído pelo rei padeiro, não deveria se surpreender, mas sentiu uma ponta de tristeza que não teve dificuldade em esconder dos dois.
– E quem são vocês?
– Chega de perguntas – falou o homem com seu sotaque – coloque suas mãos entre as grades e traga a corda para eu te amarrar, vai nos polpar o trabalho de termos que te socar aí dentro.
– Gostaria de vê-los tentarem – sorriu – Agora que estou acordado
O mais alto aceitou o desafio, mas o da barba foi mais prudente e o impediu, o lembrando do que lhes haviam aconselhado. Quando o homem moreno se convenceu, o outro disse:
– Se você quer dar uma palavra com o Rei, venha em nossa custódia e não haverá problemas, para você ou para nos – falou de forma suave enquanto a barba se mexia – Devo alerta-lo também, que temos uma dúzia de guardas na porta da masmorra. Você não sairia daqui, mesmo se matasse a nos dois.
– Você ficaria surpreso, senhor.

Se levantou e pegou a corda do chão, passando suas mãos por um dos espaços quadrados da porta de ferro. O careca pegou a corda e o amarrou da mesma forma que antes, apertando seus punhos bem firmes para evitar que escapasse. Quando terminou, o Anônimo se afastou da porta e o mais baixo a abriu. Pensou que era uma pena eles não terem trazido armas, poderia se utilizar delas e eles estavam cientes disso.

Os acompanhou até as escadas da masmorra sem qualquer resistência e quando chegaram ao seu topo, viu que os doze guardas estavam lá, pelo menos o homem tinha palavra. Subiram algumas escadas e chegaram a uma porta entreaberta, que o mais baixo abriu por completo, o rei estava lá, sentado em uma cadeira de madeira almofadada, com uma grande mesa de café da manhã à sua frente, cheia de bolos, sucos, travessas de metal e pratos de porcelana, com apenas uma outra cadeira vazia do extremo oposto do rei. Os dois entraram e fizeram uma reverência com a cabeça, que o rei devolveu igualmente. Pediu para o Anônimo sentar-se e aproveitar a comida.
– Estou de mãos atadas, senhor
– Tirem as amarras dele – disse o rei e apesar de relutante, o careca o fez – Não acho que você tenha planos de me matar ainda. Me pareceu um homem sensato, por isso estou sendo sensato com você
– Você me sequestrou no meio da noite, isso geralmente instiga os instintos mais primários do ser humano
– Sem dúvida. Mas ou eu te capturava, ou eu traía a confiança dos outros reis – falou Ezaquiel, bebendo de uma taça – Tive que fazer uma escolha e embora eu não te deva nada, também não te vejo como um assassino sem causa.
– Agradeço por isso, mas ainda estou aqui contra minha vontade – ele não tocou na comida
– Está, mas veja pelo meu ângulo. Pouco depois que eu me tornei rei, os novos reis de outras cidades das Terras Secas, elaboraram um conselho para juntar forças e impedir que o mesmo acontecesse com eles – largou a comida e olhou nos olhos do Anônimo – Eu fui um dos idealizadores desse conselho e não poderia deixar que o assassino de reis escorregasse pelas minhas mãos. Não depois de tanto trabalho e tantos juramentos.
– Então é por isso que eu estou aqui. Pelas suas promessas.
– Os outros reis estão vindo para cá, nós vamos decidir o seu destino e se me disser que não planeja machucar nenhum dos novos reis, vou advogar a seu favor.
– Como você disse, não sou um assassino sem causa e por esse mesmo motivo, não posso garantir a segurança dos outros reis. Mas se considera-os pessoas de caráter, não tem que se preocupar comigo.
– Ótimo, então eu vou advogar para que tenha uma morte rápida.

O rei voltou a comer com os olhos baixos. Isso não era bem o que Hakim esperava, mas sabia que depois de tudo que tinha feito, provavelmente era o melhor que iria conseguir. Começou a comer o que estava a seu alcance, isso ajudaria a mascarar o gosto amargo do destino e da morte. Quando terminou, o rei se despediu e foi embora, junto com o homem de cabelos negros. A guarda de doze homens estava do lado de fora e o homem moreno foi apressar o Anônimo, que por sua vez se abaixou para pegar algo debaixo da mesa e levantou rapidamente para cravar um pedaço de porcelana quebrada atrás do joelho do homem, que caiu urrando de dor.

Os outros guardas vieram conte-lo com armas, um deles tentou alveja-lo com sua lança, que perdeu em questão de segundos, tão rápido quanto perdeu o olho esquerdo. Desviou de outras investidas e com a lança desviou de outras mais, tirando elmos, cortando gargantas e espetando pés, tão mal protegidos por aquelas armaduras. Quando conseguiu capturar uma espada, lhe cercaram e falhou em desviar das lâminas que o cortaram as costas e os ombros, tingindo sua roupa de sangue e finalmente pintando as espadas de seus oponentes. Perdeu o ímpeto e levou um dos joelhos ao chão, ainda desviava dos golpes de espadas, mas já estava sem folego e com a visão embaçada por conta dos golpes que havia levado na cabeça com os cabos das lanças, foi aí que um último baque, o fez cair desacordado.

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