11 de maio de 2012

Um Anônimo 9 - Final



– O que está fazendo, Kai?
– Meditando – disse o Anônimo de olhos fechados – Você não acha esse cheiro repugnante?
– Acho, mas tudo bem. – falou Hasnah fechando a porta da cela atrás de si – Chegaram os últimos dois reis, de Nove-Delfine e de Damascus. O Conselho das Terras Secas vai se reunir provavelmente amanhã.
– Isso é ótimo – sorriu ainda de olhos fechados – Quer aprender a meditar?
– Claro! – sentou-se à frente dele, imitando sua posição – Devo fechar os olhos?
– Feche os olhos, vou te dizer o que fazer. Respire fundo e deixe o caos se instaurar na sua mente, deixe os pensamentos fluírem como quiserem, até os ruins.
– Acho que consegui, não é muito confortável.
– Agora observe esses pensamentos como se estivesse olhando peixes em um lago, os deixe nadar enquanto você se afasta e emerge desse lago. Você não pode mais senti-los, mas ainda pode vê-los. Pense na qualidade desses pensamentos, quais deles estão apenas poluindo sua mente? Quais deles não lhe servem para nada de bom?
– Alguns...
– Agora, elimine os pensamentos inúteis e concentre-se apenas nos úteis e bons, sinta o controle da sua mente, seu domínio absoluto sobre você mesma, senhora de seu destino.
– Isso é bom e agora? – ouviu um abrir e fechar de uma porta de ferro e virou para trás
– Agora, fique meditando até virem te buscar – falou o anônimo do lado de fora, trancando a cela – Sinto muito, mas a hora chegou. Se servir de consolo, prometo que não passará nem um dia aqui.
– Eu devia ter imaginado – levantou-se e foi até a grade da cela – Não vou guardar rancor de você, Kai, mas ficar presa numa cela não fazia parte dos meus planos para hoje.
– Obrigado por estar aqui. Se eu nunca voltar a te ver, quero que saiba que isso poderia ter dado certo em outra vida.

Foi embora sem ouvir qualquer resposta de Hasnah, que apenas sorriu enquanto Kai mergulhava nas trevas. Subiu as escadas em caracol das masmorras, chegando na sua porta de madeira que estava destrancada, abriu-a com cuidado, mas ela não deixou de produzir um rangido agudo. Como imaginava, tinham dois homens guardando a porta, um de cada lado, que pareciam não ter se importado com o rangido. Hasnah atravessou aquela porta tantas vezes que eles nem se davam mais o trabalho de se virar. O homem da direita foi o que perdeu a espada primeiro, em um movimento rápido, mas sutil, Kai tirou a espada de sua bainha e virada para baixo, a enterrou em seu desprotegido pescoço.

O outro notou o estranho movimento, mas só se deu conta e começou a puxar sua espada quando o colega teve a lâmina atravessada na garganta, o que deu tempo para o Anônimo impedir seu saque com uma mão e usar a espada, ainda como um punhal, e abrir sua carótida da direita para esquerda, aproveitando o movimento lateral para puxar a espada do guardião de sua bainha e dar um passo para trás, o bastante para a nova espada ter espaço o bastante para terminar de degolar o guardião, da esquerda para direita dessa vez, caindo no chão em uma torrente de sangue. Hakim estava de volta.

Tirou a armadura do primeiro homem, usando sua camisa para limpar um pouco do sangue que grudara nela, terminando por vesti-la. As armaduras eram feitas sob medida, mas aquela estava um pouco larga. Jogou os corpos dos homens nos degraus que levavam à masmorra e usou suas calças e o que estava limpo da camisa para enxugar o sangue do chão, não foi um trabalho perfeito, mas não chamaria atenção de alguém que passasse ao longe, descartando tudo na masmorra e fechando sua porta. Hasnah não gostaria disso, mas nem ele gostava. Recordou-se novamente da geografia do lugar e elaborou uma fuga.

Já era noite e os quatro reis se reuniam no salão de festas do castelo. O rei padeiro Ezaquiel, ficava na ponta da mesa retangular, com sua esposa ao lado. Os outros reis ficavam distribuídos cada um de um lado com suas respectivas esposas. Seus filhos comiam em uma outra mesa retangular, mais distante e menor que a primeira que ocupava o centro do salão, enquanto essa era atravessada em um canto, paralela a uma parede. Comeram ali por cerca de uma hora, uma refeição com direito a terceiro prato e uma sobremesa. Ao final, as mulheres e crianças foram deixadas e os homens se reuniram em um salão ao lado, muito menor e mais aconchegante, com uma grande lareira e quatro cadeiras de couro dispostas em círculo, para todos poderem encarar todos, com uma mesa ao centro delas.

Os reis sentaram-se naquelas cadeiras e fumaram charutos, tomando mais daquela bebida forte de sabor amadeirado, conversando sobre como suas políticas fizeram a economia de suas cidades se estabilizar e prosperar. O rei da Mesôtona, Alifa, tinha escolhido uma roupa vermelha dessa vez, mas ainda usava maquiagem branca para disfarçar sua pele morena, dissertava sobre como o povo não pode ser livre ou ele acaba por destruir-se. O rei de Nove-Delfine, Abrah concordava com o controle das massas, mas garantia o controle do indivíduo sobre si mesmo, sempre procurando alisar seu espesso bigode entre uma frase ou outra. Possuía uma pele levemente morena com um ponto preto pintado na testa esticada pela calvície. Sandor, ficava quieto, concordava com alguma coisa quando falavam de liberdade individual, mas na maior parte do tempo, não participava. Era o mais velho de todos, apesar de ainda possuir certa vitalidade em sua face severa, permeada em boa parte por uma barba negra bem aparada e um cabelo curto encaracolado.

– Amigos, obrigado pela bela noite – começou Ezaquiel – mas acho que devemos encerrar por hoje. Amanhã faremos o julgamento do assassinos de reis, pela tarde para aliviar a eventual ressaca, por isso precisamos estar afiados.
– Condenemos o homem logo, ele é um risco – disse Alifa – Aliás, é garantido que foi apenas ele que cometeu os assassinatos? Acho difícil de acreditar.
– Se foi apenas ele que os matou, – comentou Abrah – acho que deveríamos agradecê-lo, do contrário, nunca seriamos reis e ainda estaríamos na miséria.
– Mas um homem deve pagar pelos seus crimes – retrucou Ezaquiel
– Sem contar na nossa própria segurança – falou Alifa, receoso – Ele matou muito mais do que aqueles reis, deve pagar o preço da morte.
– Quem dá uma sentença dessas, deveria brandir a espada

Todos se viraram para a origem da voz, era o Anônimo se servindo da bebida e trajando suas costumeiras roupas brancas, armado de suas facas. Ele pegou a bebida e foi ficar a frente da lareira, se virando para os reis, entre o vão das cadeiras onde estavam os reis da Nicosa e da Mesôtona.

– Surpresos? Eu gosto do elemento surpresa, foi assim que nosso rei me capturou, no meu próprio leito – tomou um gole da bebida – Essa é diferente da que eu tomei naquela ocasião, Ezaquiel, tem um gosto mais esfumaçado.
– Devia ter imaginado que você sairia de lá. Aquela garota não era confiável.
– Nesse caso, os dois guardiões que eu matei também não eram, nem tentaram me impedir depois que eu os cortei a garganta. – virou o copo e o repousou na mesa – Mas estou dando uma má impressão. Meu nome é Hakim, assassino de reis, treinado pela Irmandade, a grande sociedade de assassinos.
– Você matou a todos sozinho? – perguntou Alifa de olhos arregalados – Você veio nos matar?
– Eu os matei sozinho, como contei ao rei Ezaquiel, mas não vim matar vocês, vim garantir a queda da Irmandade com vossas senhorias.
– Na verdade eu gostaria de te agradecer e agradecer a sua Irmandade, sem vocês, eu não estaria aqui – riu-se Abrah, entorpecido.
– Eu entendo – falou Ezaquiel – Mas você ainda é culpado dos assassinatos e tem que pagar por isso perante a lei.
– A lei é falha, Ezaquiel. Os senhores precisam criar novas leis para suas cidades. Morte não pode ser paga com morte. Do contrário, uma sociedade não se pode dizer melhor que o assassino. – os reis repousaram sobre aquele conceito por alguns instantes – Levantem-se para glória, meus reis, serão famosos por abraçarem essa idéia, os reis misericordiosos, os reis justos, todos pagam pelos seus crimes em vida, a verdadeira justiça dos homens.
– Vejo que teve muito tempo para pensar, senhor Hakim – comentou, finalmente, Sandor – Gostei da ideia, embora lhe favoreça bastante, é algo que eu posso dizer que concordo. Justiça dos homens feita pelos homens.
– Não deveríamos discutir isso com um assassino – protestou Alifa
– Mas aqui estamos Alifa, o assassino propõe vida a todos os homens, inclusive ele – comentou Ezaquiel – Deseja a vida para seus irmãos da Irmandade?
– Para eles e para todas as pessoas, mas o importante é que não sejam criados mais assassinos pela Irmandade. Nenhum homem tem o direito de matar o outro e eles vêm fazendo isso há décadas.
– Não é exatamente o que você vem fazendo sua vida inteira? – disse Alifa
– Eu fiz o que era necessário, o que eu achava certo, mas descobri estar errado. E se não acabarmos com a Irmandade, muitos garotos vão crescer para um destino de assassinatos sem sentido e isso também põe vocês em risco.
– Acabaremos com a Irmandade – disse Sandor – Não podemos ter um bando de assassinos de aluguel à solta. Acredito que podemos todos concordar com isso, meus amigos.
– Eu posso concordar com isso – proferiu Ezaquiel
– Eu também – soluçou Abrah
– Vocês estão loucos – interferiu Alifa – Eles são assassinos profissionais, se um deles conseguiu matar 10 reis, o que acham que farão conosco unidos?
– Por isso eles têm que ser detidos – retrucou Sandor – Às vezes, meu caro, a melhor defesa é o ataque. Você tem um plano, senhor Hakim?
– Eu tenho algo em mente. Mas antes de irmos em frente com isso, preciso negociar minha sentença.
– Isso é um pequeno detalhe, senhor Hakim. – continuou Sandor – Tendo em vista que você trouxe um conceito interessante sobre nossas leis, o que mostra que é um bom homem e que expôs uma ameaça muito mais assustadora do que você próprio, que agora não representa perigo, estou disposto a lhe conceder liberdade se eliminar essa ameaça. Mas não posso falar pelos outros.
– Por mim tudo bem, o rapaz sabe mais dessa sociedade do que nós e talvez devêssemos rever nossas leis, – disse Abrah – mas uma coisa de cada vez.
– Quem garante que essa ameaça exista? – indagou Alifa
– Garanto que a Irmandade é real, existem provas – afirmou Ezaquiel – Eu não esperava a introdução de Hakim em nossos planos, mas tendo em vista o difícil jogo que temos em mãos, posso trocar sua vida pela extinção da Irmandade. Não posso garantir que mudarei as leis, isso precisa ser pensado melhor.
– Eu lhe concedo perdão, com a condição de eliminar a dita Irmandade e garantir minha vida, assassino – concluiu Alifa
– Isso ocorreu muito melhor do que eu imaginava, senhores – sorriu Hakim – Precisarei da influência de vocês e alguns homens. Garanto que o mínimo de sangue seja derramado. Após esse trabalho, não precisarão se preocupar comigo.
– Mandaremos os Hamadim para lhe auxiliar – completou Sandor
– Quem são os Hamadim? – perguntou Hakim
– O grupo que formamos para te capturar – disse Abrah – Você deu uma boa talhada na perna de Jokal, era meu homem, mas tenho certeza que podem chegar num acordo.
– Quantos homens possuem os Hamadim?
– Quatro homens, os melhores guerreiros de cada cidade – falou Ezaquiel, enchendo o copo do Anônimo na mesa – Somados a você, será um grupo invencível. Destrua essa ameaça invisível e terá sua liberdade, todos concordam?
– Sim – proferiram todos em uníssono, brindando em seguida pela resolução desse complicado empasse.

Um homem trouxe um problema e sua solução, os novos reis das terras secas não precisam se preocupar em serem assassinados no futuro, destruiriam seus inimigos antes deles se levantarem contra eles. O homem sai livre, com a condição de destruir sua antiga Irmandade, a garota sai da masmorra e segue sua vida como se nada tivesse acontecido, mas algo de extraordinário tinha acontecido, ela tinha mudado, tinha conhecido o homem mais interessante que já vira, cheio de cicatrizes e ideias, que continua a vagar pelo deserto e pelo mundo atrás de seus ideais, mas ele também tinha mudado, virara um homem, com consciência e não mais uma simples ferramenta.

Uma parte da vida do Anônimo concluiu-se essa noite, mas a guerra estava apenas começando.

4 de maio de 2012

Um Anônimo 8


Estava claro, tinha conseguido dormir mas o Anônimo ainda pensava na garota. Mesmo com a escuridão, começou a lembrar-se de suas características, devia ter seus 20 anos, ainda não tinha as marcas de expressão da vida e nem as mãos calejadas do trabalho pesado, muito menos o bom senso de não suturar um assassino. Pensou em como as coisas poderiam ter sido diferentes se nunca tivesse concordado em fazer parte da Irmandade, talvez viveria como um camponês, colhendo trigo e criando animais, uma vida tranquila com uma garota como ela que em seus pensamentos era ela, com seus cabelos e olhos negros e pele macia e pálida, como de uma princesa.

Um estalo lhe veio a mente, e se a garota fosse filha do rei? Enviada apenas para recolher informações que seriam usadas contra ele no dito conselho? Era uma possibilidade que ele não poderia riscar, todos eram seus inimigos agora, agora que estava “preso em uma gaiola” ouviu essas palavras atrás de si, se virou para encontrar um homem de roupas brancas e capuz do lado de fora da cela.

– ...você já teve dias melhores, Hakim – disse o homem com o rosto encoberto pelas sombras – Vim te libertar.
– E me matar, decerto, Yaman – disse, levantando da palha – Como souberam do meu paradeiro?
– Somos a Irmandade, sabemos tudo. É claro que a notícia que tinham capturado o assassino de reis, também se espalhou rápido pelas cidades, mas nos sempre sabemos.
– Bom, hora de abrir a cela e me matar. Você vai me fazer um favor na verdade.
– Eu vim te libertar dos seus deveres com a Irmandade – falou mostrando um papel por trás da porta – Você é o primeiro que foi permitido deixar a Irmandade.
– Desgraçados, não tem a capacidade de me matar e para garantir que eu não escape me concedem um perdão para eu não sujar o nome da sociedade – disse de forma a assustar o outro – Me dê esse papel aqui, eu vou mostrar quem é a verdadeira Irmandade
– Não posso permitir – deu um passo para trás – Meu dever é avisar que está livre. Se no seu julgamento disser que faz parte da Irmandade, negaremos, afirmando que você saiu há muito tempo.
– Melhor ir então, podem querer que você me faça companhia e eu não apreciaria você ocupando o mesmo lugar que eu mijo.
– Hakim, tenho que dizer que foi uma honra tê-lo conhecido e apoio o que você fez. Adeus – disse com a cabeça baixa e depois partiu pelas sombras

Voltou a se sentar, com cuidado para não romper os pontos. Não estava nenhum pouco livre, isso era apenas um jogo político para proteger a sociedade de assassinos, se por acaso ele saísse vivo, eles viriam lhe matar e encerrar o assunto, mas contavam com sua sentença de morte no julgamento.

A garota voltou naquele dia, trouxe comida e bandagens novas, a comida era uma pasta de legumes e carne fria, pouco atraente, mas que Kai comeu sem reclamar, enquanto a garota trocava as bandagens que estavam sobre os pontos.

– Você parece mais calado hoje – disse ela, percebendo a frieza de seu temperamento
– Diga a seu rei que procure a Irmandade ao qual eu pertenço, se já não tiver contado. Eles podem estar interessados nos mandantes dos assassinatos. Diga que é uma conspiração contra mim e que a sociedade é completamente responsável e eu sou seu bode expiatório.
– Isso é tudo verdade? – disse com um tom de surpresa
– O rei vai te questionar, mas diga-lhe que está é a verdade. A Irmandade precisa ser trazida a julgamento.
– Um dos reis novos chegou, o rei de Mesôtona, ele estava todo pomposo com roupas azuis, amarelas e a cara branca de maquiagem, parecia uma arara, você já viu um arara?
– O que é isso? – deixou escapar uma pitada de bom-humor e curiosidade
– É um pássaro azul com um bico curvo, bem exótico por aqui. Eu vi alguns nos mercadores de rua, são bem bonitos, mas caros.

O Anônimo não falou mais, queria conservar uma distância daquela mulher e não funcionaria se ele ficasse perguntando sobre pássaros. Ela se despediu e disse que voltaria no dia seguinte, com um olhar decepcionado e um meio sorriso no rosto. Pensou que ela não poderia ser uma princesa, ela tinha saído do castelo, mas do jeito que o rei era um homem tranquilo, provavelmente deixaria sua filha livre para ir e vir. Já não sabia o que pensar, sabia apenas que estava suprimindo suas emoções, fechou os olhos e meditou sobre si mesmo, ao invés do mundo exterior.

Se considerava uma ferramenta, uma força implacável, mas agora era um homem ferido em uma masmorra de castelo, sentindo amor por uma mulher que apenas lhe auxilia e ódio por uma sociedade que o quer ver morto. Ele tinha um objetivo e o conquistou, como um homem e agora deveria pagar pelo que fez, como um homem perante outros homens. Acreditava que o rei padeiro, Ezaquiel, era um homem justo e se para ele sua morte era a única resposta ao assassinato, que assim fosse.

Mas seu instinto de lutar e viver ainda falava mais forte, não poderia se entregar a morte, mesmo que sua consciência o dissesse que deveria pagar pelo que tinha feito. De qualquer maneira, a Irmandade precisava cair, eles também deveriam ser julgados e se morresse, precisava garantir que o rei fizesse o trabalho por ele, mas ainda precisava faze-lo acreditar na história que havia contado para Hasnah. No dia seguinte ela voltou e trouxe outro tipo de comida, uma sopa de milho. Sentia que seus ferimentos estavam melhorando e provavelmente poderia arriscar uma escapada quando ela viesse nos outros dias. Dessa vez, não sentia que precisava manter distância dela, sentia que precisava conversar com alguém.

– Eu mesma fiz essa sopa – disse ela enquanto trocava as bandagens – Espero que esteja boa...
– Está boa. Contou ao rei o que eu te falei?
– Eu não tive como falar com ele em particular – sorriu – Uma aprendiz de médica não tem muita voz aqui. Talvez eu deva dizer que sou médica do assassino de reis, aí vão me respeitar.
– Isso não soou muito bem, melhor esquecer o que eu te disse – Kai também sorriu – No meu julgamento eles vão ter que me ouvir. Porque você me ajuda e não tem medo de mim?
– Quando eu cheguei aqui, não vi nada além de um homem precisando de cuidados e você, até agora, não deu motivos para eu ter medo – falou a garota com sinceridade – Eu não acho que você é um assassino, eu disse aquilo como uma brincadeira.
– Mas eu matei aqueles reis mesmo. E muitas pessoas antes deles e provavelmente ainda vou matar mais, porque, apesar de tudo que eu te contei, eu sou bom nisso.
– Eu acho que te entendo – disse ela dando um nó em uma bandagem – Você foi criado para isso e agora está em um beco sem saída. Eu também faria de tudo para ficar viva.
– Minha consciência me diz que eu mereço ser julgado, meus instintos dizem para tentar de tudo para viver e eu te digo que a Irmandade precisa ser destruída. Esse é meu objetivo no momento e é por ele que eu quero viver – segurou a mão dela deixando o prato de lado
– Você quer que eu te liberte? – os cabelos negros refletiam a luz da tocha
– Até esse momento eu não sabia o que fazer, mas agora eu sei. Eu quero viver, eu quero destruir a Irmandade, depois eu posso ser julgado e morrer.
– Você deve ser a pessoa mais interessante com quem eu já conversei e a mais maluca – olhou para o lado – Eu não posso deixar você escapar, cortariam minha cabeça por isso.
– Eu não quero estragar sua vida e não quero que me deixe escapar. Só quero que você volte, até o dia do julgamento. Pode fazer isso por mim?
– Posso – sorriu olhando para a mão – Posso ter minha mão de volta?

Kai soltou a mão, os dois sorriram e Hasnah saiu pela porta da cela novamente, trocando um último olhar enquanto ela ia embora. Sabia que mesmo que ela fosse uma espiã, tinha que jogar o jogo dela, só assim teria uma chance de escapar. O dia do julgamento se aproximava e ele sabia o que deveria fazer agora, não mais como uma ferramenta, mas como um homem, deveria acabar com a Irmandade e a melhor forma de fazer isso não era pelo assassinato, mas pela política.