6 de abril de 2012

Um Anônimo 4



O homem não gritou, mas não estava morto, levou uma mão ao pescoço e procurou os olhos do amigo por uma explicação, que por sua vez largou a adaga no chão e rasgou um grande pedaço de sua camisa de algodão e entregou para o outro.

- Você deveria ter-me matado – pegou o tecido e o colocou na ferida
- Desculpe, não sou capaz de matar um amigo – foi até a cama deixar seus pertences – Embora seja egoísta de minha parte, você pode voltar com uma desculpa agora.
- Eles vão saber, eles sempre sabem
- Eles não são magos, Iman, magia não existe – sentou-se na cama – Devo chamar um médico?
- Não, eu trouxe linha e medicamento – pegou uma pequena bolsa de seu cinto – Vou usar seu banheiro.
O sangue escorria pela roupa de Iman, mas não era uma ferida fatal, embora fosse uma área difícil de não causar danos. Ele tomou uma bebida de um frasco e usou o espelho para dar pontos em si mesmo, usando uma agulha curva como foice, foram cinco pontos a sangue frio, já tinha passado por coisa pior, pensou. Voltou à sala e disse para Richard:
- Precisão cirúrgica, Hakim, ou eu deveria chama-lo de Richard agora?
- Me chame do que quiser – Hakim estava arrumando uma bolsa, tinha largado o resto de seus pertences no armário – Preciso visitar o novo rei, ver se ele é um homem íntegro
- Qual seu propósito agora? Já não matou os reis? Libertou as cidades?
- Preciso ver o dano que eu causei – colocou a bolsa em cima da mesa – alguns erros são irreparáveis, mas outros talvez eu possa consertar.
- Precisa admitir que seu propósito acabou – riu Iman – Deixe que os deuses decidam seu destino agora.
- Eu sou uma ferramenta, Iman, nada mais. Continuarei arando a terra até quebrar.
- Peça e receberá – continuou com o sorriso no rosto

Iman atravessou o quarto e passou pelo Anônimo, subiu na mesa, abriu a janela e saiu, se pendurando na arquitetura externa do bordel. Hakim fechou a janela e se sentou para admirar o vai e vem das pessoas, que agora pareciam tão distantes da pobreza. Não importava o quão bem elas estavam, se o rei fosse corruptível, isso não duraria muito tempo. Esse é seu propósito, essa é a missão que ele escolheu.

Aguardou o anoitecer, tinha dormido para reabastecer suas energias, não teve sonhos, aprendeu a suprimi-los dentro da Irmandade, já que sonhos nos arrastam para outros mundos e um homem nunca deve perder contato com a realidade. Acordou consciente do tempo que tinha dormido, eram oito horas da noite, precisava comer alguma coisa antes de partir.

Jullios o convidou para jantar com ele em seus aposentos. Um quarto amplo no último andar, paredes pintadas de vermelho, assim como o carpete e as cadeiras de camurça de cabra, que eram adornadas de dourado nos pés e encosto. A frente delas jazia uma mesa retangular feita de mogno, onde repousavam diversas frutas e animais assados, algumas mulheres ainda estavam arrumando a mesa quando Hakim entrou com Jullios, que disse gostar de comer fartamente, ainda mais na companhia de amigos.

Naquela noite comeu muito bem, uma refeição que não fazia a muito tempo e provavelmente não voltaria a fazer tão cedo. Os dois ficaram discutindo o estado de outras cidades, o Anônimo ficou sabendo quais tinham prosperado e quais tinham tido seu declínio de antemão, mas ainda achava necessário visita-las.
Matou 10 reis em 10 cidades, 6 cidades caíram em caos completo, duas dessas viraram cinzas, as outras 4 tiveram trocas de poder, Nicosa não entrou em um estado de pânico por conta da apatia e a pobreza da população, o novo rei era um padeiro, uma boa parte das pessoas, Jullios inclusive, disseram que ele deveria ser rei pelo seu jeito com as pessoas e com dinheiro. Ele acabou aceitando e levou o povo da pobreza a riqueza no espaço de 1 ano.

- Solima, o que aconteceu com a cidade?
- Não sei-lhe dizer, ouve boatos da morte do rei, mas... – Jullios fez a conexão – Acho que não são boatos, então. Alguém dentro da hierarquia deve ter assumido o posto e tentou esconder a morte, aconteceu isso em Gartaga, como eu disse, eles não estão indo muito bem.
- Entendo – tomou um gole de vinho – Solima foi muito recente, imaginei que as coisas ou estariam estagnadas ou ela tivesse queimado até cinzas.
- Não se sente culpado pela morte de dezenas? Não que eu esteja reclamando, olhe o que o padeiro fez por mim!
- Disse isso a um amigo meu e vou dizer à você, um homem tem que fazer, o que um homem nasceu para fazer.

0 deboches:

Postar um comentário